Antes de Partir

Olá Flávia, primeiramente gostaria de fazer algumas observações sobre esse email.

Provavelmente se tratará de um conteúdo um pouco longo, totalmente avesso a comunicação dinâmica atual, mas o objetivo é apenas expressão, não quero tomar seu tempo além da leitura. É uma necessidade de expressão minha, acumulada. Acho que é uma saída alternativa de fazer você conhecer minha mãe, era um sonho, talvez esses escritos sejam uma forma substitutiva pra isso, visto que na realidade isso não é mais possível.
Está extenso pq aqui contém muitas coisas que eu queria dizer no nosso encontro e de certa forma, outras não, outras surgiram com a existência dos dias futuros.
A ordem das informações não estão necessariamente “em ordem”, eram muitos pensamentos pra organizar, então os considere como “recortes” de temas…as vezes pode de um tema ir pra outro, mas vou tentar manter o mais organizado possível.
No conteúdo eu falo muito em Deus e eu suponho que você não tenha muita afinidade ou seja ateia, mas peço que por favor, me entenda. (é só uma percepção, talvez não seja com propriamente Deus, mas talvez a religião, mas eu não me incomodo com isso, cada um estamos em um tempo de crenças, percepções, experiências e eu respeito seu momento)
Nessas linhas eu estarei “nu” e provavelmente vai se assustar, talvez ao invés de costurar laços, eu venha rasga-los e estragar tudo, mas eu sinto uma enorme necessidade de expressar isso, acho que é uma forma de “estar comigo” através desses relatos por esses 09 meses que fará dia 06/05/2019 em que nos conhecemos.

Eu pensei que iria surtar

Ora ou outra bate um desânimo quando abro o portão e saio de casa e penso em desistir, de não ir na aula, mas uma força me puxa e diz: “continue lutando”, mas estou bem….bem diferente do cenário catastrófico que eu imaginava…meu parâmetro de reação era uma situação conflituosa que eu vivia…minha mãe viajava de 03 em 03 meses aproximadamente para uma região rural, cuidar de negócios, era a paixão dela, o campo… eu sempre imaginava o pior, imaginava que o carro ia bater, que teria acidente, essas coisas…então era torturante ver ela viajando e imaginar as piores coisas como assalto na estrada, acidentes, picada de animal peçonhento enquanto ela estava no campo, violência contra ela (ela já chegou a ter uma situação de demissão de um funcionário que o mesmo conversou com ela com uma arma na mesa) e ela sempre tão calma, diplomática, conseguia contornar todas situações na maior tranquilidade.
Então quando eu recebia alguma notícia do tipo “a mamãe quase pisou numa cobra”, ou “o Eduardo ficou o tempo todo com a arma na mesa” ou “o ônibus quase bateu”, eu entrava em pânico, era um misto de sentimento de impotência, de inutilidade…pq eu tava cuidando dos meus estudos/minha vida aqui,  eu ficava com uma falta de ar, uma sensação que eu teria um ataque do coração e a minha cabeça girava com uma sensação de tontura….então meu parâmetro era: se eu recebo uma notícia de risco para a mamãe e eu fico assim..imagina quando ela morrer…? O q será da minha mente e da minha vida? Eu vou surtar!
Mas aos poucos tudo foi ganhando um novo significado, todo ódio foi sendo lavado, toda mágoa sendo curada, toda dúvida e conflito sendo tratado. Eu passei a enxergar como dádiva eu ter sido o filho que cuida da mãe, eu passei a ser grato por ficar todos esses meses cuidando dela, eu vi como preparação e lapidação essa doença, eu passaria mais dez ou vinte anos cuidando dela, desde que ela não estivesse em sofrimento intenso nos últimos dias e passei a agradecer a Deus e pedir para Ele leva-la, fiz as pazes com Deus, entendi tudo o que estava encoberto. Sei que foi o melhor caminho, estamos cientes que demos o nosso melhor, que nos superamos, que cumprimos nossa missão, que não têm preço perguntar: “Mãe, como a senhora avalia nossos cuidados?” e ela responder: “Melhor, impossível”
Deus deu provisão financeira para quando necessário ela ter acesso a psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, enfermeira, apesar de nós filhos, em especial eu e uma de minhas irmãs acabamos aprendendo a virar fisioterapeutas, enfermeiros, palhaços, psicólogos, etc.

Tudo ia se esfacelando

A saúde dela se deteriorou em semanas, quando eu chamei minha irmã e ela conseguiu uma licença do hospital que ela trabalha, foi pq eu fui colocar minha mãe pra deitar e ela parece que tinha perdido a “noção espacial”, parece que deu um “branco” e ela disse: “Eu não estou sabendo mais como deitar” e foi onde eu auxiliei ela e mandei uma mensagem pra minha irmã falando: “Ben, acho que chegou o tempo de você vir me ajudar a auxiliar a mamãe, ela hoje agiu de forma estranha, dizendo que não estava sabendo como deitar”
Nisso foi diagnosticado que o câncer na mama tinha dado metástase no pulmão e cérebro e foi onde a saúde dela começou a se degenerar, apesar dela nunca se queixar de dor de cabeça, dor nos pulmões, o que nos consolava, parecia a mão de Deus poupando ela de um sofrimento mais intenso.
Tudo era muito difícil, eu iniciei não querendo ver a lesão na mama, passei a ver depois que ela pediu auxílio para amarrar um pano que cobria a lesão e tive que ver. Terminei auxiliando no curativo.
A dinâmica de transportá-la passou a ficar complicada, pois após a radioterapia ela enfraqueceu bastante e passou a ter dificuldade de se locomover.
Uma vez ela passou mal e percebemos que um lado dela começou a paralisar e ela começou a tremer, eu abracei ela, beijei e disse que ficaria tudo bem, ela se acalmou e fomos pro hospital e foi constatado que já era o tumor cerebral afetando o lado esquerdo dela.
Passou a ter que depender integralmente de duas pessoas presentes (no caso eu e uma irmã), as fraldas agora eram trocadas só com nós, pq era preciso levantá-la, um segurava e outro trocava a fralda.
Ela chorou quando teve que andar de cadeira de rodas, mas nunca reclamava, passou todo o percurso como uma guerreira, com dignidade.
Depois começou a perder a fala, como eu dormia em um colchão no chão ao lado da cama dela, pra melhor auxiliá-la caso ela precisasse de água ou algum suporte, tudo passou a ser difícil, pq eu ouvia barulho e perguntava se tava tudo bem, ela já não respondia, eu perguntava se ela queria água e já não tinha mais respostas…enfim, era mais uma etapa difícil que tudo tinha mudado em semanas…
Nada era fácil, quando eu ia ver no Youtube “Como levantar pessoas acamadas”, eu via uma técnica, mas não coincidia com a realidade dela, ela tava com a lesão embaixo do braço também, era impossível levantá-la pelos braços, sempre tínhamos q inventar algo, era um verdadeiro quebra cabeça. “Como vamos leva-la da sala pro quarto, do sofá pra cama, da cadeira de rodas pra cadeira de banho?”
Mas parece que o que tinha de erro, vinha um acerto…ela pesava aproximadamente 60 kilos e com o corpo debilitado, sem ter forças parece que o peso dobra, ela passou a não mais segurar o corpo sentada, eu tinha que ficar segurando com os braços, enquanto minha irmã dava remédio ou comida, eu comecei a treinar musculação como uma válvula de escape, uma fuga do inferno e a decisão foi tomada de forma tão correta, que se eu não tivesse ganhado força e resistência, eu jamais conseguiria ter segurado ela, ter locomovido ela de cadeiras, ter tido força pra segurar um dia que ela quase caiu, parece que tudo veio na hora certa, as pessoas certas, os anjos certos.
A fase final foi ela perder a capacidade de deglutir alimentos e de beber água, fizemos várias técnicas de bater comida no liquidificador, de usar “espessante”(ou algo assim), entre outras coisas, mas não deram certo…isso culminou na internação dela e o óbito, foi um filme de terror a fase final, angustiante ver o sofrimento, mas a gente vai achando novos significados…eu me consolei dizendo que ela viveu 69 anos saudável, sem nunca ter sido internada e um ano na vida dela, ela passou por esses problemas…devemos ser gratos…eu recriei muitas coisas q eu nem sabia se era saudável, falavam q eu “não vivia a realidade”…quando ela reclamava das pintinhas q surgiram devido a Quimioterapia eu falava que ela era a “Gatinha Pintadinha” em alusão a “Galinha Pintadinha”, quando ela reclamou da queda do cabelo eu disse: “Mãe, lembra quando teve o incêndio lá na fazenda que a senhora ficou triste por ver o campo cheio de cinzas? E meses depois a senhora voltou lá e viu que o capim nasceu muito mais bonito? Da mesma forma será seu cabelo, ele caiu com a quimio, mas renascerá muito mais bonito!” e foi o que aconteceu…nasceu lisinho e muito bonito, eu chamava de “está nascendo as penuginhas da curiquinha”
Por mais bizarro que seja, eu passei a pedir que Deus levasse ela sem sofrimento, pois imagina ter que vê-la com sonda, na UTI..não era nada fácil, como ela já não engolia comprimidos, estávamos substituindo um remédio no formato comprimido por 4 copinhos de xarope para dar a medida do comprimido, nosso sono estava totalmente fragmentado, acordando a meia noite, as 3 da manhã, as 6 da manhã e indo pra aula totalmente “grogue” as 8.
É doloroso ver sua mãe definhando, apodrecendo viva, mas confesso que trataria dela desde que ela não sofresse, o tempo que fosse necessário, sinto saudade de carregar ela na cadeira de rodas, até do mau cheiro do ferimento eu sinto saudade, ela poderia estar como estivesse, mas era a minha mãe e eu a amava do jeito que ela estava e faria tudo pra ajudar a aplacar a dor dela.

Como uma filha

Minha mãe era uma pessoa muito querida, era impressionante como ela conseguia cativar as pessoas, exalar paz, nós até brincávamos que ela deveria entrar pra política. A  Riany chegou a conversar com ela umas vezes e achou ela uma graça, muito educada e que transmitia paz. Muitas pessoas dizem que nossa casa transmite muita paz, mesmo com doença e os problemas do dia-a-dia as pessoas sentem uma paz imensa aqui e eu acho que está ligado a essa influência da minha mãe, mesmo depois que ela morreu, as pessoas dizem isso.
A mãe do meu vizinho disse que conversou com ela umas 3 vezes e na primeira ela percebeu que era como se ela já a conhecesse de anos. O filho da diarista que trabalhou conosco que têm 5 anos, era um amor com ela, acariciava a “carequinha”, colocava um pano pra comida não cair na roupa dela, quando ela morreu esse menino entrou em pânico, têm um vídeo que a mãe dele filmou dele em lágrimas gritando “eu não gostava dela, eu amava ela!”
Foi incrível como tantas pessoas choraram, como tantas pessoas vinham aqui sem esperar nada em troca, ajudando no básico, desde presença até se dispor a lavar vasilhas, a acompanhar no hospital, a dormir no hospital, é como meu sobrinho disse: essa é a verdadeira riqueza, ter amigos verdadeiros do nosso lado e minha mãe teve muitos. Mais do que as duas mãos podem contar.
Meu maior “remorso” foi você não ter conhecido ela, meu coração fica em pedaços por isso…é algo sem retorno, vocês se dariam muito bem, ela te trataria como uma filha e você a amaria como uma mãe, em especial se nós tivéssemos um vínculo, mas não foi possível, é um sonho que nunca se realizará.

Ela “te conheceu”

Mas de certo modo você criou uma história com ela, indiretamente, mas criou e talvez essa seja a parte principal dessa mensagem…
Eu estava a aproximadamente um pouco mais de 02 anos sem me envolver com ninguém, eu sou um homem muito racional sabe…até gosto da solidão e de um modo geral hoje existe pouca lealdade, fidelidade, as pessoas não se preocupam mais em conhecer o outro, a ter contemplação pelo outro, é tudo muito rápido e descartável e se for pra viver em um modo que eu não acho saudável, eu prefiro me “isentar” desse jogo. Talvez seja ser seletivo, mas eu penso muito a longo prazo, pontuo as incompatibilidades sem a necessidade de muita observação, não me baseio exclusivamente em aparência, se a mulher fuma, já não vejo sentido, se joga papel no chão, se escreve errado, se fala errado, se “assina lista pra ganhar certificado em palestra que não foi” (como já vi muito na faculdade), já não há sentido, se é baladeira, se gosta de frequentar festa sertaneja, eu já não vejo sentido, enfim…
Então quando você surgiu na minha vida, eu simplesmente fiquei encantado com você, é lógico que te conheço superficialmente e o interesse em te chamar pra sair foi exatamente pra nos conhecermos, pra conversarmos, muito! Se for necessário uma vez, é uma, se for dez, serão dez. Mas já há características já existentes que me atraem muito, eu sou apaixonado pelo seu cérebro, pela sua escrita, pelo seu jeito, por sua voz…(ai meu Deus, como amo sua voz!) , as suas roupas, o seu jeito de andar, o seu jeito de se locomover quando dá aula (parece uma lutadora de kung fu, uma chinesinha, sei que é atípica essa comparação, mas é o q baseado no meu “liquidificador mental de referências” foi o que me veio na mente )
E o rostinho? Meu Deus, que semblante cansado e carente, que vontade de cuidar disso, que vontade de no futuro você morar a 15 minutos da faculdade, você chegar do trabalho e eu estar te esperando pra te encher de beijos, te fazer uma massagem e dormirmos abraçadinhos! (Sim, eu sou louco…você me deixa assim)
Com você eu tenho papo sabe, por mais que eu reconheça minha “inferioridade” em alguns quesitos, eu sei que tudo é complementar, não me assusta vc ter mestrado, vc ter seu trabalho de modo meio “workaholic” , eu gosto de você como você é.
Então minha mãe chegou a te conhecer por comentários, eu te elogiava muito, falava sobre você pra ela, sempre fomos muito abertos, nunca escondi nada dela, então ela tinha ciência de quanto eu gosto de você, acho q vc nota que meu perfil não é “peguei a professora”, acho que dá pra notar que pelo meu perfil eu não gosto de relacionamentos superficiais. São 9 meses e nada mudou, é uma ‘gestação”, acho que vc sabe que eu realmente gosto de você.
Portanto quando eu te chamei pra sair, minha mãe ficou em casa, quando eu cheguei ela me perguntou como tinha sido. Eu muito feliz disse: “Ela aceitou sair comigo :)”
Daí minha mãe disse: “Que bom, eu fiquei o tempo todo orando pra tudo dar certo”. Aquilo pra mim foi uma surpresa, pq eu nunca tinha visto minha mãe falar nada daquele modo, que estava orando pra um relacionamento dar certo, as vezes até já tenha orado alguma vez, mas nunca deixou explicitado ou talvez eu nunca tinha demonstrado a ela uma “vontade de relacionamento”, então por mais que não tenha dado certo, que minha mãe não tenha chegado a te conhecer, eu sei que pela nossa crença, se viermos a ter algum vínculo, eu tenho certeza que ele está abençoado por minha mãe e estou em paz por isso…
Além disso, você me aproximou da Riany, é engraçado, mas a Riany sempre me tratou de forma respeitosa, mas eu era como sempre a Aksa citou: “Uma pessoa que só se aproximava dos outros o necessário, que parecia ter uma incógnita na testa. Algo como: “Quem é esse cara?”…
Então a Riany conseguiu isso pq foi um “teste pessoal”, eu via aquela senhora sofrendo conflitos com os mais jovens, totalmente oposta a mim, de certo modo voltada ao materialismo e eu tão avesso a isso e decidi “nos dar essa chance de aproximação” e por incrível que pareça a dificuldade em termos que ajustar nossas diferenças e trabalharmos em sinergia pra algo em comum (no caso os trabalhos que apresentamos), me fez entender o mundo dela com menos estranheza e ela entendeu o meu e passamos a nos dar super certo, tanto é que ela me ajudou demais nesse período difícil, as pessoas podem não enxergar, mas ela têm inúmeras qualidades, ela têm umas análises que eu fico bobo como a percepção dela em diversas situações é certeira.
A Riany é mais apressada, mais ansiosa e eu já sou mais calmo, deixo as coisas mais pra última hora e me viro com o que tenho, já cheguei a apresentar trabalho que eu não tinha nada preparado e fiz na hora com uma folha de papel, inventei uma história e tirei a maior nota da sala. Mas eu tenho aprendido muito com a Riany, pois eu acabo seguindo ela, acabo me adequando a pressa dela, pois sei que no fundo ela que está certa e se não me adequo totalmente, ao menos chegamos a um ponto de equilíbrio.
Ela me manda constantemente mensagens perguntando como estou, é uma pessoa humana, solidária, como o tratamento do câncer é muito oneroso, minha família passou por maus momentos e ela conseguiu uma terapeuta pra mim em um dos bairros mais abastados aqui da cidade por um preço simbólico que não me causa tanto desconforto financeiro e possibilita eu tratar da minha saúde mental, visto que eu já previa de certo modo essa iminência do luto…enfim…tudo isso têm dedinho da Flávia, pois se você não tivesse sido flexível, nada disso se desembocaria pro rumo que as coisas tomaram. As vezes uma pequena ação, faz um efeito dominó que não imaginamos e eu sou grato por você, mesmo vc não estando presente em um momento difícil, acho q indiretamente você sempre esteve, sempre foi atenciosa, sempre que possível perguntava como minha mãe tava e você não sabe o quanto isso é importante pra mim…
Quando eu fiz aqueles cartõezinhos de Fantasia, eu não sei como foram parar em outros períodos (no primeiro e segundo pra ser mais específico) e umas 2 garotas vieram conversar comigo, me elogiando, meio que demonstrando interesse, mas quando eu falei da minha mãe, elas tipo, nem tiveram muita sensibilidade e isso já é fator pra eu já descartar, sei que pode ser radical, mas é assim minha mente e a pessoa que se preocupa com minha mãe, ganha muitos pontos)

Você vai estar do meu lado no momento mais complicado da minha vida? (O velório)

No velório eu estava bem acolhido, sempre chegavam e saiam pessoas, me davam um abraço, palavras de consolo, acolhimento no que eu estiver precisando, percebi que todo carinho que eles nutriam pela minha mãe, foi transferido pra mim e isso me ajudou demais, ao ver que ela tinha deixado um legado, que eu tinha com quem contar, que eu não deveria ver a vida tão sem perspectiva, que eu não ficaria sozinho no mundo, apesar de pra mim ter cuidado dela só foi uma retribuição por ela nunca ter perdido as esperanças em mim até mesmo quando eu estava perdido, eu noto que as pessoas têm um grande prestígio por filhos (em especial homens) que cuidam da mãe, notei que a sociedade teve um novo patamar de respeito, ouvi desde “você mudou demais”, “vc foi um herói”, “vc foi um guerreiro, sempre do lado dela”, então tudo isso te molda de uma outra forma, não há nenhum sentido me revoltar e ser uma pessoa ruim, minha mãe só plantou coisas boas, só fez amigos por onde passou, seria anti natural, é como um pé de laranja produziu kiwi…imagina que coisa louca…o cara cuida da mãe como um ótimo filho e depois se mata ou explode um carro bomba na prefeitura pra se vingar pelo atraso do SAMU? Minha mãe era extremamente pacifista, eu não mudaria nada e ainda mancharia o legado dela…então tudo isso foi bom pra mim repensar em tudo o que pensamos e sentimos em momentos de raiva e desolação e trabalharmos pelo bem, afinal eu prometi pra ela que manteria o legado do bem dela, prometi em vida e as pessoas sabem q de modo geral eu prezo por minha palavra.

Sonho Duplo

Quando a Kalane disse que você viria no velório, eu quase tive um troço, foi uma mescla de sentimentos, tristeza dando local para uma “euforia”, seria a realização de um “sonho duplo”, um pq mesmo que morta, você “conheceria” minha mãe e também por entrar na igreja que eu sonho em um dia entrar de mão dada com vc…não no sentido “religioso”/ de conversão, mas ir esporadicamente, um dia ou outro…e também não estou me referindo a casamento, inconscientemente pode até ser, pq “simbolicamente” entrar na igreja dá ideia de matrimônio, mas não…eu não estou me referindo a isso, estou me referindo como um relacionamento afetivo mesmo.

Deus e as situações “desembocam” (aprendi esse termo com você, hehe) de uma forma que não está no nosso “radar de entendimento” ….apesar de não gostar de defender placa de igreja, não posso negar a realidade, sendo assim, essa igreja foi de extrema importância nessa travessia, nos deram total suporte, desde constantes vindas em casa, no hospital, orações, as chamadas “serenatas”, onde dezenas de pessoas param na porta da casa e começam com cânticos até a pessoa abrir a porta e receber, enfim, jamais eu poderia pagar a gratidão que tenho a eles…é uma igreja onde não se visa o material e sim o espiritual. E nós fomos de encontro a ela de modo totalmente atípico…eu já tinha passado por inúmeras igrejas quando andava com uma família amiga e essa igreja era bem na esquina de casa e eu nunca tinha ido…eu passei a ir quando um rapaz que era membro dela fez um serviço pra minha mãe numa casa e ele gostou muito do jeito da minha mãe, achou ela muito simples, disse que nunca tinha visto alguém compartilhar do mesmo almoço que dava pro filho, da mesma mesa com alguém “financeiramente inferior” e minha mãe nunca teve isso, cativava desde mendigos, pedreiros, pessoas de maior poder aquisitivo, ela chegou a conversar tanto com um pedinte/mendigo que ele virou jardineiro e hoje ele trata ela como alguém da família, então esse rapaz que trabalhou nessa casa dela me convidou pra ajudar ele a pintar a igreja, eu disse: “Cara, eu tenho interesse, mas eu não tenho nenhum conhecimento em pintura”, ele disse: “Pode pintar, o que você errar, eu faço os ajustes” e passamos Sexta, Sábado e Domingo pintando a igreja e esse menino falando sobre Deus pra mim, a minha visão de igreja exploradora, com gente gritando e com demônios foi totalmente desfeita, eu conhecia uma nova realidade, uma realidade de pessoas amorosas, preocupadas com o espírito.
Quando pintamos ele deixou um convite pra minha mãe e ela foi e passou a frequentar essa igreja, frequentou por exatos 10 anos, se batizou já impossibilitada de ir na igreja e pela nossa crença, alcançou a salvação.
Então acho que ações, escolhas, resultam em outras realidades, como foi a sua flexibilidade com nosso grupo que resultou em eu ter uma amiga presente(Riany), que nos damos bem, mesmo com todas diferenças.

Sobre sua mensagem sobre a morte da minha mãe

Eu amei sua mensagem, eu sinceramente pensei que vc deixaria falar mais alto essa “distância natural que se cria quando sabemos que alguém gosta de nós”, é algo estranho, mas ela existe, eu tento lutar contra ela, mas sei que é natural pra você passar a agir com mais distância.
Eu escrevo isso, eu “perco meu tempo” escrevendo isso, eu abro meu coração e praticamente coloco tudo a perder, por mais atípica que seja minha expressão, pq tudo no fundo se resume a uma vontade que eu tenho de querer cuidar de você, pq eu gosto muito de você.
Quando você negou meu convite, eu me senti de mãos atadas pois um lado meu é extremamente perseverante, ele corre atrás do que quer e por um outro lado eu prometi o meu respeito a você, então se eu insistisse muito, eu acredito que de certo modo não estou respeitando sua decisão.
Entre eu e você no momento eu prefiro viver numa ilusão mesmo, acreditando que nossa história não teve um ponto final, que é apenas um tempo necessário para nos despirmos de rótulos sociais (professora X aluno) que está impregnado em nosso ser. O mais racional é seguir os conselhos “esquece isso”, mas eu prefiro viver minha vida, mas acreditando em algo futuro..é doloroso isso, mas talvez seja mais doloroso encarar a realidade na atualidade.
Quando recebi aquela mensagem eu pensei: “esse é o tipo de mulher que quero!”, digo isso pq eu tenho um trauma fodido quando meu pai morreu, eu namorava uma garota que eu gostava muito e ela terminou o namoro quando eu fiquei desempregado e no dia que meu pai morreu, eu fui numa entrevista, meu pai morreu as 10 da manhã, a entrevista era as 11 e eu fui e passei nessa entrevista e essa minha namorada não me deu o menor apoio e apesar de você não ser minha namorada, eu pensei que o quadro iria se repetir e eu simplesmente amei seu zelo, você não sabe o quanto prezo por isso e o quanto “ganhou pontos” com isso.

Adendos Aleatórios

Eu fui criado em um ambiente de extremo respeito entre meus pais, eu nunca vi um tratar o outro com desrespeito, nunca vi falarem palavrões, nunca os vi brigando, nunca vi discutindo, era um ambiente de extrema paz e harmonia, apenas meu pai em alguns momentos motivado pelo meu desinteresse escolar me falava algumas palavras não muito prudentes, como “você nunca vai ser ninguém na vida” ou “Se você não estudar, você vai acabar na cadeia!” e essas palavras até hoje ainda ecoam na minha mente, por eu ter ouvido em um período de tenra idade, mas tenho tentado superar, me curar disso e entender que ele fez o melhor que ele pôde, mesmo errando. E se algumas vezes eu errei meu percurso, foi por acidente, no fundo eu queria agir de forma certa.
Confesso que muitas vezes diante de ti, tive um comportamento de auto sabotagem, na verdade era uma mescla entre “teste” e auto sabotagem, era uma tentativa de ser um “filtro”, um meio (novamente) meio desastrado de saber se você era uma pessoa que eu deveria investir, se você relevaria meu lado mais complicado, mesmo que esse lado complicado já fosse passado, coisa de 01 a 05 anos atrás…mas eu fui claro eu dizer que eu era um cara 60%, que eu tinha melhorado muito, mas ainda tinha muito a melhorar, com essa situação extrema de morte e lidar lado a lado com uma situação de doença, talvez hoje eu mensure o “meu eu” como 70%….mas isso é tão relativo né…têm gente que se rotula como 100% e as vezes não é como eu sou me rotulando como 70%, enfim, é um jeito muito particular de mensurar minhas evoluções e crescimento como ser humano.
Após ficar as 48 horas sem dormir, a casa tava cheia, eu entrei em um quarto e fui descansar um pouco…deitei na cama e depois de uns 10 minutos adormecido eu vi uma luz muito forte saindo do meu peito e minha mãe dizia algo como: “Você é o filho que mais precisa de mim, todo meu lado bom como minha mansidão, minha calma, meu amor eu estou transferindo pra você para você continuar o meu legado” e acordei com as laterais dos olhos escorrendo muitas lágrimas.

Finalização

Bom Flávia, eu vou parar por aqui pq se eu continuar isso não acaba nunca, sempre há uma nova lembrança, uma nova memória e a quantidade de linhas escritas já está extrapolando…a velha “overdose de ideias” que sempre conduzem a ações desastradas…acho que com esses relatos, em especial os que deixo claro o que sinto por você, acho que acabaram totalmente minhas chances, mas eu me sinto aliviado. Eu quis fazer uma mescla de te colocar como “testemunha ocular” dos momentos que eu queria que você estivesse comigo, ou que tivéssemos de algum modo alguma proximidade maior, como também expressar o que sinto por você, apesar de muita coisa ficar subentendida, eu necessitava de algo mais explícito, estava “explodindo” dentro de mim.
Deixo claro que não quero te cobrar nada, tudo aconteceu conforme tinha que acontecer, as peças estavam onde deveriam estar, eu espero eu em um futuro não muito distante as mãos do destino coloquem as peças e crie um cenário em que nossos corações estejam juntos.
Como eu disse, não precisa responder esse email, tenho ciência do seu tempo e sei como é complicado responder e-mails longos, eu tenho meus “débitos” com algumas pessoas, coisa de 06 meses, 01 ano que nunca retornei…a única coisa que gostaria que comentasse, era a respeito disso abaixo:
Recentemente foi seu aniversário, estou certo? Eu suponho ter sido dia 03 ou 04 de Abril. Me fale qual é a data do seu aniversário? Me fale sua idade também! Quando entrou na sala, conversamos a seu respeito e chutamos sua idade…uns disseram 33, outros 30, eu disse 25, mas depois analisando melhor, eu mudei a numeração.
Outra coisa…nesses 09 meses eu acumulei algumas coisas que nunca chegaram até suas mãos, coisas como cartas que nunca entreguei, acrósticos escritos em momentos que não tinha nada a fazer, uma “mixtape” de dia dos professores q optei dar a plantinha ao invés de uma “mixtape de amor”, entre outras coisas…são suas…gostaria de compilar em um envelope e te entregar, podemos nos ver nesse semestre? Pode ser no final, daí eu te entrego. Têm também uma lembrança do dia do aniversário, enfim, gostaria de te ver mais uma vez esse semestre, preferencialmente no período noturno, sim, eu gosto da noite, mas pode ser de manhã também, enfim…

Sobre o sigilo:

Acredito que não tenha vazado nada do meu gostar em relação a você, as coisas estão confortáveis pra você né? Se tiver qualquer coisa, não hesite em entrar em contato comigo, a recorrermos ao diálogo, ok?
O episódio mais próximo de “vazar” foi em um jantar que tocaram no seu nome e aparentemente eu fiquei vermelho, mas acho que ninguém percebeu e um dia uma pessoa em específico comentou que a gente dava certo, que éramos parecidos, que sentia uma sintonia, uma energia entre a gente, na verdade a pessoa usou o termo “química”, mas eu espero que nada tenha “vazado”, pois eu prezo muito pela minha e principalmente sua privacidade, eu sei o quão é delicada essa relação.

Enfim, é isso, até mais!

Infelizmente eu não consigo ser diferente do que sou, extenso, “romântico”,

e sei que isso “desemboca” em coração partido, mas já me preparei a muito….eu só tinha necessidade de me expressar…você sabe que te diria isso pessoalmente, que apesar de tímido, quando eu tenho que agir, eu faço.

11-05-2019