Sentimento de ódio no narcisismo – Trajetória de uma transformação numa psicoterapia psicodramática

SINOPSE: O artigo “Sentimento de ödio no narcisismo – trajetória de uma transformação numa psicoterapia psicodramática” explicita o aparecimento do ódio de uma paciente com distúrbio narcísico nas sessões, os aspectos contratransferenciais e sua abordagem teórico – técnica, sobretudo através da técnica do duplo.

ABSTRACTS: The paper “Hate’s feeling at narcissism – a way of change in a psychodramatic psychotherapy” explains the appearing of hate in a patient with a narcissic disturb at the sessions, the counter-transference aspects and his theoretical – technical approuches mainly double technic.

UNITERMOS: Psicoterapia psicodramática – ódio – narcisismo – técnica do duplo – técnica do espelho – identificação projetiva – contratransferencia.

UNITERMS: psychodramatic psychotherapy; hate; narcissism; double technic; mirror technic; projective identification; counter-transference.


“Se o homem é um ser que não é mas que está sendo, um ser que nunca acaba de ser, não é um ser de desejos tanto quanto um desejo de ser?”

Octavio Paz – O arco e a lira

1 – INTRODUÇÃO

Depois de passar pela angustiante busca de um tema para escrever, percebi que o mais presente dentro de mim era a minha história com Sandra, nas duas sessões semanais que acontecem há cinco anos. Pensei assustada: “pôxa”, vou ousar escrever a respeito de uma paciente que tem uma estrutura narcísica secundária, com a estrutura principal obsessiva. Narcisismo? Esse tema complexo que tem vários desenvolvimentos, vários enfoques, esse campo vasto, polêmico, abrangendo o texto denso sobre Introdução ao Narcisismo de Freud e outros, de numerosos estudiosos; e no Brasil, os trabalhos recentes de Fonseca, Cukier e Calvente , que são dos primeiros a respeito do tema no campo do psicodrama. E entre ler, pensar, estudar sobre o narcisimo em grupo de estudo, discutir com colegas para dar subsídio no atendimento dos pacientes e escrever buscando uma sistematização, mesmo que simples, vai uma grande diferença e uma grande dificuldade para mim. Mas um aspecto do tema, que é o sentimento de ódio no distúrbio narcísico, começou a se instalar dentro de mim com força, através de Sandra. O ódio dela me traz imagens de cataclisma, terremoto, furacão, vulcão em atividade. Assusta, me faz desejar um escudo que cubra o corpo para me proteger, tampões de ouvido e distância para ficar longe fisicamente. Abrir um guarda chuva entre nós duas. É um jorro de merda ou um vômito escuro em jatos fortes. Tenho vontade de agredir também. Vontade de entender e de penetrá-la com palavras, ações e afetos, que fertilizem este deserto afetivo, que transforme esta merda toda em estrume e daí possa nascer uma flor ou pelo menos um cogumelo não venenoso. Talvez aí ela possa começar a sonhar, acreditar nela, ver algo de bom em si. Nós duas nos enveredarmos por esse mundo interno, para ela assustador, monstruoso, que contém tamanha dor, que é como se lhe “arrancasse a pele”, pedaços de si ou “o corpo urrando de dor”.

A proposta de escrever sobre este tema, já confirmada por mim, tem limites bem definidos, que é mostrar, principalmente através dos aspectos da contra-transferência ou do contra-papel, o sentimento de ódio dessa paciente, abordar alguns aspectos teóricos e técnicos e trazer algumas reflexões sobre o narcisismo. Não é objetivo do trabalho fazer levantamento bibliográfico exaustivo. Algumas vezes pensei em escrever sobre a psicoterapia com esta paciente, depois achava que ainda não era tempo, pois precisava acontecer algum progresso mais visível. No entanto, deparei com uma fala do Freud: “as análises que conduzem a uma conclusão favorável em pouco tempo são de valor para a auto estima do terapeuta e para substanciar a importância médica da psicanálise; mas permanecem em grande parte insignificantes no que diz respeito ao progresso do conhecimento científico.(…)Novidade só pode ser obtida de análises que representem especiais dificuldades, e para que isto aconteça é necessário que a elas se dedique bastante tempo.” Trata-se de uma fala incentivadora, considerando as diferenças de abordagens psicoterapêuticas e adequando-a à minha realidade, que é dar contribuição que possa abrir espaço para discussão e reflexão.

O desejo de escrever sobre essa psicoterapia é também para expurgar o sofrimento que ela me trouxe e as emoções e sensações intensas que me despertou.

Os distúrbios narcísicos constituem núcleos profundos da personalidade neurótica, o que torna estimulante escrever, para detectar que em processos psicoterapêuticos de anos, com trabalho exaustivo sobre os conflitos, permanecem dificuldades fundamentais que se ancoram nesses núcleos, exigindo serem melhor conhecidos e trabalhados.

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